João Luís Silva Carvalho

20 anos após estudo Afrodite, como está a fertilidade?

Um estudo que realizei em 2011 – Estudo Afrodite Caracterização da Infertilidade em Portugal – mostrava que em Portugal a infertilidade atingia cerca de 9% a 10% dos casais, o que significava um total de 260 mil pessoas, com 120 mil em idade reprodutora. Este número encontra-se em ascensão e o aumento de prevalência relacio- na-se com múltiplos fatores, de que salientaria o estilo de vida nas sociedades modernas, fatores ligados ao ambiente e à alimentação que atuam como “disruptores endócrinos”, mas sobretudo fenómenos políticos, económicos e sociais, que originam o atrasar da primeira gravidez para idades tardias na vida da mulher (mais de 35 anos).

A magnitude do problema é tal que alguns pensam que o importante aumento do número de casais inférteis não é devido à crescente incidência de causas e riscos, mas à tendência de adiamento da primeira gravidez para a 4.ª década da vida. De facto, verifica-se uma indiscutível diminuição da fecundidade da mulher a partir dos 30 anos de idade, com um declínio que se acentua marcadamente a partir dos 35, atingindo-se níveis mínimos aos 45. Este facto ocorre pela diminuição da quantidade e qualidade dos ovócitos disponíveis no reservatório ovárico que foram sendo “deitados fora” ao longo da vida e o que resta no reservatório disponível para assegurar a reprodução é já pouco e de menor qualidade.

Assim, conceder prioridade cronológica a as- petos de satisfação económica e profissional pode comprometer o que para muitas mulheres é o seu principal desígnio de realização pessoal e familiar, pelo que, não havendo alternativa, deve pelo menos ser atempadamente pensada a possibilidade de criopreservação de ovócitos.

A magnitude do problema é tal que alguns pensam que o importante aumento do número de casos inférteis não é devido à crescente incidência de causas e riscos

Neste contexto, as associações e os meios de comunicação social podem desempenhar um importante papel na divulgação e transmissão de conhecimentos. O estudo que realizei mostra que, sendo a informação escassa, a principal fonte são os meios audiovisuais (66,5%) e jornais/revistas (24,6%). Por médicos, apenas 20%.

Também no homem, fatores ligados à atividade profissional e “life style” têm muita importância, pela intervenção dos fatores nocivos que originam perdas na quantidade e qualidade dos gâmetas masculinos. Fatores relacionados com a atividade profissional e que impliquem aumento da temperatura ao nível testicular ou a agressão por substâncias químicas ou tóxicas assumem papel de relevo.

É difícil, neste contexto, descrever com exaustão os tremendos progressos técnicos e científicos ocorridos nos séculos XX e XXI, que nos permitem ultrapassar as situações de infertilidade.

Apenas sintetizarei que se verificaram em quatro direções:

1.ª – A do diagnóstico, a beneficiar de modernas técnicas de imagem ultrasonográficas e endoscópicas, de rigorosos doseamentos hormonais, da identificação de anomalias genéticas que se estendem aos genes e às deleções/fragmentações do DNA.

2.ª – A dos tratamentos cirúrgicos, mini- mamente invasivos de cirurgia endoscópica e robótica.

3.ª – A da endocrinologia, que nos habilitou com fármacos que permitem manipular completamente o eixo endócrino da mulher.

4.ª – A da reprodução medicamente assis- tida, com a possibilidade de realizar a fecundação in vitro (FIV) e a microinjeção intracitoplas- mática de espermatozóide (ICSI), os protocolos para preparação do esperma, os meios de cultura para maturação e desenvolvimento dos embriões, a habilitação para diferentes procedimentos que envolvem gâmetas e embriões, incluindo a criopreservação/vitrificação e a monitorização contínua do desenvolvimento destes por sistemas time-lapse, associados às mais evoluídas tecnologias de inteligência artificial ou de análise genética.

Hoje, no dealbar do século XXI, não é difícil de prever que em áreas como a da cirurgia minima- mente invasiva continuarão a ocorrer desenvolvimentos como os resultantes da robotização, mas que os grandes avanços terão inevitavelmente lugar no campo das ciências e das tecnologias relacionadas com a reprodução assistida, com a utilização da inteligência artificial e da genética molecular, com maior conhecimento do enredo que regula o fenómeno implantatório e a possibilidade de com ele interferir.

Fonte: Artigo publicado na +Fertilidade Magazine, Edição nº 15, Julho 2024